Nesse ponto, acredito estar uma das maiores qualidades do filme de Chabrol. O que acontece é que normalmente, em certas críticas superficiais de uma dita "esquerda" à sociedade capitalista, acusa-se o "sistema" como o culpado de todos os males do mundo, sem se especificar ou definir que raios quer dizer esse tal "sistema". A impressão que fica é que parece haver uma entidade viva sobrenatural e que é senhora do destino humano, senhora, aliás, muito cruel. Em A Comédia do Poder, essa senhora - ou seria melhor falar "senhor"- tem rosto, nome, identidade, computador, bebe champanha selecionada e fuma charutos lindos e enormes. Conhecendo o "inimigo", as chances de derrotá-lo aumentam exponencialmente. Ou, pelo menos, a derrota não é tão devastadora e humilhante. (Aqui, vale lembrar o caso da guerra contra o terrorismo do governo Bush. Afinal de contas, quem é o adversário a ser derrubado? Os muçulmanos? Os homens barbudos e de turbante? O sentimento de medo?)
Não é minha intenção acabar com a graça de quem ainda não assitiu ao filme e está perdendo o seu tempo lendo essas linhas, mas a seqüência final diz muito sobre o que pensa Chabrol de todo esse complicado problema. Quando somente uma pessoa, por mais esforçada e competente que seja, decide empreender uma batalha contra os desvios de comportamento de uma determinda sociedade ou um determinado grupo social, suas possibilidades de êxito são nulas. Pode-se mudar uma coisa ou outra, mas não passam de correções cosméticas, circunstanciais. A estrutura permanece a mesma. Só muda a aparência e os modos de agir. A "renovação" é epidérmica. Sem mais forças para lutar, o que resta é sair de cena e recolher-se às sombras. E o mais preocupante é que o "bastão" é passado para a geração seguinte que, ao que tudo indica, continuará atuando de forma isolada e, portanto, ineficaz. Estaria implícito nesse movimento uma crítica ao processo de individualismo crescente dos nossos tempos?
E é justamente pensando nessa questão que a pergunta feita pela própria Jeanne ( a juíza destemida interpretada brilhantemente por Isabelle Huppert) ao marido Philippe ( Robin Renucci) no meio da madugada, em meio a uma ápera discussão, ganha uma grande importância. Ela o indaga: "por quem eu gaço tudo isso?" O marido silencia. Ela insiste: "por quem? Novo silêncio. Cria-se, dessa forma, uma profunda ambigüidade, no que se refere às reais motivações de Jeanne. Seria ela uma genuína batalhadora por práticas mais honestas no meio empresarial e político ou estaria preocupada apenas com o próprio crescimento profissional e com a sua vaidade de mulher-prodígio? A resposta para essa pergunta, creio eu, tem relação direta com o desfecho do filme.
Links com críticas e informações sobre o filme:
http://www.revistacinetica.com.br/comediadopoder.htm
http://www.contracampo.com.br/82/festcomediadopoder.htm
http://zetafilmes.com.br/criticas/acomediadopoder.asp?pag=acomediadopoder
http://www.oi.com.br/data/Pages/DF637F29ITEMIDF01AF0DBE63D44C8A9C561F90B136D9EPTBRIE.htm
http://www.cinefrance.com.br/blog/post.php?post=39
http://www.revistapaisa.com.br/anteriores/ed9/retrochabrol.shtm
2 comentários:
O melhor texto desse blog!
Foi muito feliz da sua parte a escolha de se concentrar mais no início e no desfecho do filme, deixando o enredo para o próprio público conhecer, pois, ao contrário da maioria dos filmes de Chabrol, o que importa não é tanto o final (onde os segredos são revelados e desvendados), e sim como se dão as relações de poder nas mais diferentes esferas e como a personalidade (e, conseqüentemente, o modo de agir) de cada personagem se posiciona nestas situações.
Antes de ser mal interpretado, não quis dizer que o início e o final não são importantes. Apenas quis ressaltar que, pelo fato de Chabrol ser mais conhecido por trabalhar com o suspense, muita gente pode reduzi-lo, erradamente, ao velho esquema deste gênero, onde o final acaba se mostrando o mais importante, pois é lá que está a chave do crime.
Nesse filme não há apenas uma chave, um crime e, muito menos, apenas um criminoso.
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