segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Comédia do Poder, A - O sorriso de Golias!

O título original do filme A Comédia do Poder, de Claude Chabrol, é L'ivresse du pouvoir. O termo francês ivresse significa, na verdade, "embriaguez". Ao pé-da-letra teríamos, portanto, "A Embriaguez do Poder". Os responsáveis pela tradução foram, pelo menos dessa vez, felizes ao substituir "embriaguez" por "comédia", mas prestar atenção na versão original pode nos ajudar a entender a proposta do cineasta francês. De fato, o que está em discussão aqui é a capacidade que o poder tem de fazer o ser humano perder certos "pudores". Olhar a cidade e as pessoas de cima, bem de cima, quase como um Deus sentado nas nuvens, realmente mexe com os sentidos. Todos (?) sabemos, no entanto, que quanto maior o porre, maior a ressaca e maior a dor de cabeça no dia seguinte! Para curar uma ressaca de álcool, um comprimido de Engov, muitas vezes, é suficiente. Já no caso da ressaca do poder, o remédio é confiar no "sistema".

Nesse ponto, acredito estar uma das maiores qualidades do filme de Chabrol. O que acontece é que normalmente, em certas críticas superficiais de uma dita "esquerda" à sociedade capitalista, acusa-se o "sistema" como o culpado de todos os males do mundo, sem se especificar ou definir que raios quer dizer esse tal "sistema". A impressão que fica é que parece haver uma entidade viva sobrenatural e que é senhora do destino humano, senhora, aliás, muito cruel. Em A Comédia do Poder, essa senhora - ou seria melhor falar "senhor"- tem rosto, nome, identidade, computador, bebe champanha selecionada e fuma charutos lindos e enormes. Conhecendo o "inimigo", as chances de derrotá-lo aumentam exponencialmente. Ou, pelo menos, a derrota não é tão devastadora e humilhante. (Aqui, vale lembrar o caso da guerra contra o terrorismo do governo Bush. Afinal de contas, quem é o adversário a ser derrubado? Os muçulmanos? Os homens barbudos e de turbante? O sentimento de medo?)

Não é minha intenção acabar com a graça de quem ainda não assitiu ao filme e está perdendo o seu tempo lendo essas linhas, mas a seqüência final diz muito sobre o que pensa Chabrol de todo esse complicado problema. Quando somente uma pessoa, por mais esforçada e competente que seja, decide empreender uma batalha contra os desvios de comportamento de uma determinda sociedade ou um determinado grupo social, suas possibilidades de êxito são nulas. Pode-se mudar uma coisa ou outra, mas não passam de correções cosméticas, circunstanciais. A estrutura permanece a mesma. Só muda a aparência e os modos de agir. A "renovação" é epidérmica. Sem mais forças para lutar, o que resta é sair de cena e recolher-se às sombras. E o mais preocupante é que o "bastão" é passado para a geração seguinte que, ao que tudo indica, continuará atuando de forma isolada e, portanto, ineficaz. Estaria implícito nesse movimento uma crítica ao processo de individualismo crescente dos nossos tempos?

E é justamente pensando nessa questão que a pergunta feita pela própria Jeanne ( a juíza destemida interpretada brilhantemente por Isabelle Huppert) ao marido Philippe ( Robin Renucci) no meio da madugada, em meio a uma ápera discussão, ganha uma grande importância. Ela o indaga: "por quem eu gaço tudo isso?" O marido silencia. Ela insiste: "por quem? Novo silêncio. Cria-se, dessa forma, uma profunda ambigüidade, no que se refere às reais motivações de Jeanne. Seria ela uma genuína batalhadora por práticas mais honestas no meio empresarial e político ou estaria preocupada apenas com o próprio crescimento profissional e com a sua vaidade de mulher-prodígio? A resposta para essa pergunta, creio eu, tem relação direta com o desfecho do filme.



Links com críticas e informações sobre o filme:

http://www.revistacinetica.com.br/comediadopoder.htm
http://www.contracampo.com.br/82/festcomediadopoder.htm
http://zetafilmes.com.br/criticas/acomediadopoder.asp?pag=acomediadopoder
http://www.oi.com.br/data/Pages/DF637F29ITEMIDF01AF0DBE63D44C8A9C561F90B136D9EPTBRIE.htm
http://www.cinefrance.com.br/blog/post.php?post=39
http://www.revistapaisa.com.br/anteriores/ed9/retrochabrol.shtm

2 comentários:

Pierrot le fou disse...

O melhor texto desse blog!
Foi muito feliz da sua parte a escolha de se concentrar mais no início e no desfecho do filme, deixando o enredo para o próprio público conhecer, pois, ao contrário da maioria dos filmes de Chabrol, o que importa não é tanto o final (onde os segredos são revelados e desvendados), e sim como se dão as relações de poder nas mais diferentes esferas e como a personalidade (e, conseqüentemente, o modo de agir) de cada personagem se posiciona nestas situações.

Pierrot le fou disse...

Antes de ser mal interpretado, não quis dizer que o início e o final não são importantes. Apenas quis ressaltar que, pelo fato de Chabrol ser mais conhecido por trabalhar com o suspense, muita gente pode reduzi-lo, erradamente, ao velho esquema deste gênero, onde o final acaba se mostrando o mais importante, pois é lá que está a chave do crime.
Nesse filme não há apenas uma chave, um crime e, muito menos, apenas um criminoso.