segunda-feira, 25 de junho de 2007

Francisco Cavalcanti, cinema popular e sua recepção!


Na semana passada, tive a oportunidade de conhecer um pouco da obra do cineasta Francisco Cavalcanti, nome ligado desde os anos 70 ao cinema marginal da Boca do Lixo paulistana. Foram quatro as sessões a que pude comparecer: de acordo com a ordem em que as assisti, os filmes foram O porão das condenadas (1979), Amor imortal (2001), A hora do medo (1986) e Padre Pedro e a revolta das crianças (1984). No ciclo realizado pelo Centro Cultural São Paulo (Vergueiro), ainda fui apresentado à produção audiovisual do filho de Cavalcanti, Fabrício, que começou desde cedo a atuar nas películas do pai. Do rebento como diretor, conheci somente A pensão (2003). Foi, digamos assim, um "mergulho em piscina de criança" nesse cinema feito com pouquíssimos recursos, muita coragem e relativa aceitação.


"Aceitação"! Eis uma palavra importante quando se procura entender o movimento do cinema da Boca, em particular, e o cinema trash, em geral, realizado por figuras como José Mojica Marins, o Zé do Caixão (presente, inclusive, em alguns filmes dos Cavalcanti) e Ivan Cardoso. No folheto de divulgação da mostra "Francisco Cavalcanti - um cineasta e ator popular", o crítico André Gatti coloca na pauta a definição de "cinema popular", tanto a partir da sua produção como de sua recepção. E é esse segundo referencial que me interessa mais aqui.


Até pelo fato de as sessões no CCSP serem gratuitas, nota-se a presença na sala de pessoas muito humildes financeiramente (alguns dão a impressão de serem moradores de rua...). Ótimo!!! Que assim continue, apesar de alguns torcerem o nariz, pois esse tipo de freqüentador não respeitaria muito o silêncio sagrado dos cinéfilos. Certa vez, quase fui testemunha de uma briga em plena sessão, pois um rapaz ficou extremamente nervoso com o burburinho vindo do fundo da sala...graças a Deus, os ânimos logo se apaziguaram!!! Bom, o fato é que nas sessões desse último sábado e domingo, a sala contava com um bom número de pessoas, todas devidamente se entretendo com o que estavam vendo. Da minha parte, tive apenas uma decepção grave: justamente o último filme realizado por Francisco Cavalcanti, Amor Imortal, de 2001. Os outros, não obstante todas as precariedades de produção, surpreenderam-me positivamente.


Tudo isso me fez refletir sobre o propósito de um homem que decide realizar obras como essas. Seria ele um abnegado, preocupado que está em satisfazer, antes de mais nada, o desejo do público "popular" por histórias facilmente "digeríveis" e que reúnam elementos tão atrativos, como sexo, sangue e humor? Ou seria ele incapaz de produzir enredos de maior fôlego, com maior densidade psicológica, maior preocupação estética e maior apuro técnico? Considero essa questão de fundamental relevância para se analisar uma obra como A hora do medo ou Amor imortal.


Na primeira, uma mãe e seu filho, ambos traumatizados por maus-tratos do pai violento - que acaba assassinado pelo filho de 11 anos - decidem se vingar da sociedade, mais especificamente, das mulheres. Para isso, atraem diversas moças incautas para sua casa de campo e lá promovem um verdadeiro derramamento de sangue, logo após o filho se esbaldar em aventuras sexuais com as futuras vítimas. O marido de uma delas desconfia das nobres intenções daquela senhora de preto e de seu filho "galã". Decide, então, se candidatar à vaga de motorista particular da família, vaga que, estranhamente, exige que o pretendente não tenha família ou conhecidos muito próximos. A personagem interpretada pelo próprio Cavalcanti consegue o emprego rapidamente e, dessa forma, revelará o mistério do sumiço de sua tão amada esposa. Enredo simples, sexo, violência, pitadas de humor (in)voluntário, personagens muito bem delimitadas em campos éticos opostos, explicações psicologizantes e final (previsível e) feliz. Pronto para ser consumido pelas massas! Sem maiores questionamentos existenciais. No entanto, há de se ressaltar uma certa preocupação com o estabelecimento de um atmosfera tensa e sombria dentro do filme, o que se coaduna com o conteúdo proposto.


É justamente nesse ponto que recai o maior defeito de Amor imortal. Parece não existir nenhum compromisso com algo minimamente elaborado, o que é ainda mais grave quando se tem em mente que é o último filme de um diretor com o longo histórico de Francisco Cavalcanti. Iluminação, elenco, cenários, figurino, procedimentos da câmera, é tudo muito simplista. Em alguns momentos, passa a impressão de ter sido feito por um grupo de amigos que se reuniu um final-de-semana na praia e achou legalzinho realizar um filme caseiro, tudo temperado por mensagens da filosofia kardecista, o que o torna ainda mais entediante. Se a idéia era oferecer um produto popular, Cavalcanti parece ter errado na dose.


Enfim, a discussão está posta e é com muita alegria que os cinéfilos recebem esse tipo de programação alternativa. Não só porque resgata uma parcela importante do nosso cinema como também contribui para a popularização do ato de "ir ao cinema" por parte da camada excluída dos circuitos exibidores comerciais - caros e, muitas vezes, ruins.


Não encontrei quase nada sobre o cinema de Francisco Cavalcanti e o cinema trash realizado a partir dos anos 60 no Brasil. Interessante mesmo, só o link abaixo. Aceito sugestões, indicações e dicas!!!


12 comentários:

Pierrot le fou disse...

"Amor imortal" é o filme mais bizarro que eu já vi. Este foi o único filme dele que vi, o que fez com que eu me desinterasse pela obra restante de Francisco Cavalcanti - admito mea-culpa - ao contrário de Reed, por isso não posso falar da filmografia dele.
Voltanto ao filme "Amor imortal", esse filme não é empolgante nem para quem gosta de cinema e, honestamente, acho que mesmo os mais ligados ao movimento da "boca do lixo" deve se interessar por esse filme.

Pierrot le fou disse...

Opa, correção:
Erro 1: Desinteressasse
Erro 2: Os mais ligados... devem.

Pierrot le fou disse...

e era para ser nem mesmo os mais ligados.

Pierrot le fou disse...

Puta que pariu, esse comentário foi foda. Vc me apressa, dá nisso haah

Guilherme de São Paulo disse...

Tomar a obra de Francisco Cavalcanti apenas por "Amor imortal" não é nada justo, de fato! Recomendo ao Carlos que procure conhecer as outras obras desse cineasta. Não são obras-primas da sétima arte, mas mantêm uma certa dignidade...

Pierrot le fou disse...

É que "Amor imortal" assustou mesmo. Sei que fui preconceituoso, como já disse antes, "mea-culpa", mas esse filme fez com que eu perdesse o interesse mesmo.

Unknown disse...

Olá, Caro Guilherme! Enfim, consegui lembrar o endereço do seu blog, viva! Bom, eu não assisti o último filme comentado e postado por sua pessoa, porém, gostaria de elogiar seus textos, gostei bastante das críticas, opiniões e conclusões postadas.
E tenho um conselho: mande o link do seu blog para sites, blogs de cinema e também no orkut. É isso, beijos! Espero os próximos títulos....

Pierrot le fou disse...

É impressão minha, ou quando as férias chegam o pessoal resolve deixar o blog de lado?

Guilherme de São Paulo disse...

Obrigado, Renato!!! Tanto pelo elogio quanto pela dica. Ainda me sinto um pouco inseguro para mandar o link para profissionais que trabalham com crítica de cinema, mas com certeza a oportunidade irá aparecer.
Um abraço e espero mais visitas!!!

Tudo sobre copos e cinzeiros. disse...

Ola. Eu conheci algumas coisas do cinema de Francisco Cavalcanti, e sinceramente não acho dos melhores. Mesmo sendo boca do lixo, acredito que ele é muito apelativo, como pude conhecê-lo pessoalmente, e convivido com ele por um tempo, posso dizer que não esta característica não era apenas para agradar o público, e sim por um pouco de falta de criatividade. Não pude ainda assistir seu último filme, e depois dos comentários, nõ sei se assistirei..rsrs

Abraços a todos!

azul disse...

!purão das condenadas" eu asssistir este filme na minha adolecencia gostei muito enunca passei pela minha cabeça de um dia conhece-lo.Os meus 30 anos conhecir e fiz teatro com ele e fabricio ao deixar as aulas nunca mais tive contato com eles gostaria muito de um rencotro mas nao sei como encontra.

Wagner Woelke disse...

Falávamos ontem, eu e o Antonio Carlos Cavalheiro, entre um gole dele de cerveja dele e um gole meu de suco de abacaxi, do Francisco Cavalcanti e da audácia e valentia que levavam ele e estes heróis da boca do lixo a fazerem seus filmes nas décadas de 70 e 80, com minguados recursos financeiros e técnicos! Mais: Não sei porque não incluíram na filmografia dele o "mulheres violentadas", de 1976, um tremendo sucesso de bilheteria"

Wagner Woelke