terça-feira, 22 de maio de 2007

Alpha Dog: conflito de gerações ou desencanto do mundo?

Rappers malvados, loiras burras e gostosas, jovens (e velhos) adultos imbecilizados, "fiestas", sexo, drogas. A partir de um conjunto de elementos como esses, reunidos num mesmo filme, pode-se imaginar uma película de caráter mais comercial, que apela para os instintos mais primitivos do ser humano com o intuito de chamar a atenção e causar polêmica (e, também, ganhar dinheiro nas bilheterias!). Alpha Dog, o novo filme de Nick Cassavetes - filho dos imortais John Cassavetes e Gena Rowlands - não cai na armadilha das soluções fáceis e se revela um ótimo retrato do mal-estar que viceja nas sociedades modernas. Ao resgatar o caso recente dos filhos abastados da elite californiana envolvidos com o tráfico de drogas e que, numa atitude mais inconseqüente e irresponsável do que propriamente cruel (o seqüestro do irmão de um devedor de dívidas com drogas) se vêem enredados numa espiral de desespero, sem saber o que fazer com o simpático refém Zack Mazursky (Anton Yelchin), Cassavetes escolhe a opção narrativa de tratar dos problemas da formação dos filhos - como afirma no início a própria personagem Sonny Truelove (Bruce willis, muito bem no papel do pai cínico) - a partir dos seus efeitos, quais sejam, o uso indiscriminado de drogas, o completo descomprometimento com o futuro, a "curtição" como ideal de vida, a busca por uma liberdade fundada tão-somente na negação do que os pais consideram apropriado. Dessa forma, o diretor evita, ao mesmo tempo, propor soluções para o problema da juventude: ou porque ele não tem tal pretensão - a questão é complexa demais para ser solucionada por um único filme - ou porque acredita não haver realmente uma saída para equacioná-lo.

Não se deve pensar, no entanto, que toda a culpa por uma sociedade doente deve ser creditada na conta dos pais. A indústria dos videoclipes, os jogos violentos de videogames, a apologia da violência no próprio cinema (o líder da gangue, Johnny Truelove (Emile Hirsch) possui um cartaz do filme Scarface na parede do quarto), tudo isso cria um caldo de cultura explosivo. Os meios de comunicação e o setor do entretenimento exercem uma influência decisiva na personalidade das novas gerações. O tempo que Cassavetes dedica às festas, ao sexo e às drogas parece nos dizer o seguinte: todos esses elementos são extremamente atraentes, não se pode negar isso! E enquanto as pessoas que procuram dar um direcionamento alternativo à sociedade capitalista continuarem negando a atração desses aspectos, afirmando que "isso é ruim", "isso é feio" ( como faz a personagem de Sharon Stone, Olivia Mazursky, mãe de Zack), não haverá possibilidade de mudança. Por que não enfrentamos, de uma vez por todas, o problema do desencanto da juventude de frente, ao invés de negá-lo? Por que não repensamos quais valores fundamentais devem nortear o comportamento das pessoas num momento histórico propício para reconfigurações estruturais? Enquanto houver uma supervalorização do presente, do carpe diem banalizado, o que veremos, cada vez mais, serão mães chorando os destinos trágicos de seus filhos, completamente confusas entre o suicídio e uma crença frouxa num Deus já quase inexistente.

Outras críticas:

http://www.zetafilmes.com.br/criticas/capa.asp?pag=capa
http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2007/05/15/295767627.asp
http://www.cineplayers.com/critica.php?id=1003
http://txt.jt.com.br/editorias/2007/05/18/var-1.94.12.20070518.44.1.xml
http://www.film.com/movies/alphadog/7581475

quinta-feira, 3 de maio de 2007

C.R.A.Z.Y.: ousado e dinâmico!


Tornou-se comum, entre algumas cabeças bem pensantes, apontar a família como uma instituição social falida. Que a família, como unidade social básica, seria foco de neuroses, de comportamentos pouco edificantes e que muitos dos problemas que atingem a sociedade como um todo derivam desse núcleo fundamental. Bom, a se julgar pelo filme C.R.A.Z.Y. - Loucos de Amor, de Jean-Marc Vallée, a teoria é completamente furada. O quarto longa-metragem do diretor canadense faz um verdadeiro elogio à família e o faz lançando mão de um recurso, ao mesmo tempo, original e ousado: o ponto-de-vista de um homossexual!

O protagonista de C.R.A.Z.Y é Zac, o quarto filho de um grupo de cinco irmãos. Praticamente 99% da película concentra-se nos anos de sua juventude, até mais ou menos os 20 anos (apenas o plano final o mostra com uma idade mais avançada, próximo aos trinta). A história tem início no ano de 1960, uma data bastante significativa, afinal de contas, dentro de poucos meses, mudanças profundas abalariam toda as estruturas tradicionais da sociedade, dentre elas, os costumes arraigados e a religião. Nesse contexto de liberalização e de abertura a novas experiências, o filme de Valée procura mostrar que nem tudo era bem aceito, inclusive pelos mais jovens. O homossexualismo continuava - e continua, de certa forma - sendo encarado como um problema, algo perigoso e que deveria ser evitado.

O que mais importa, no entanto, não é essa "denúncia". Chama a atenção, de verdade, o fato de se utilizar uma personagem homossexual para defender valores familiares, o que para o pensamento cristão, configura-se como um contrasenso ("como o ser humano se reproduzirá e se conservará como espécie se a opção afetiva das pessoas for pelo mesmo sexo?"). Aliás, a Igreja, se assistiu ao longa, não deve ter ficado muito satisfeita. A cena da Missa do Galo junto com a música "Simpathy For The Devil" dos Rolling Stones é uma das mais provocativas a que eu assisti nos últimos tempos. Afinal, o que é religião, o que é espiritualidade? Passagem antológica!!!

C.R.A.Z.Y. é dinâmico e utiliza muito bem os efeitos especiais, provando que eles podem, sim, ser usados com propósitos nobres e não somente como atrativo para filmes de ação e aventura. Por exemplo, quando Zac está em Jerusalém e, após ter dormido com um gay local, sai em direção ao deserto num momento quase onírico do filme, a câmera, como se estivesse atrasada, voa pela janela e o alcança já quase desmaiado. É um belo "movimento de câmera", que funciona como um resgate da vida do seu herói.


Outro elemento muito importante é a música. Se para mim que nasci nos anos 80 - justamente quando paramos de acompanhar a história de Zac - ouvir a trilha sonora já é motivo de enorme prazer, para quem viveu aqueles anos, reviver duas décadas de grande revolução sonora - Rolling Stone, Pink Floyd, David Bowie, The Cure, etc - deve ser uma experiência quase mística!!! Grande filme!
OBS: A partir de hoje, pretendo acrescentar sempre ao final dos meus textos uma ou mais críticas sobre o filme por mim enfocado. Acredito que, dessa forma, possa fomentar uma percepção mais ampla da obra analisada e, quem sabe, estimular o debate em torno dela.
Eis as primeiras escolhidas: