Sessão histórica no dia de ontem. Na abertura da I Jornada Brasileira de Cinema Silencioso, junto com a inauguração oficial da nova sala da Cinemateca Brasileira, denominada BNDES, a projeção do filme Salomé (1923), de Charles Bryant, contou com presenças de peso. Não é todo dia que se assite a um filme junto com Ismail Xavier, Gustavo Dahl, Carlos Calil, Pedro Farkas, Carlos Magalhães, Helena Ignez e acompanhamento musical de Lívio Tragtenberg. Foi realmente um privilégio estar presente naquele momento, tornados ainda mais especiais pelos discursos inspirados do Gustavo Dahl, hoje presidente do Conselho da Cinemateca, e do Carlos Calil, atual secretário municipal de Cultura. Fazendo uma espécie de rememoração de quando ia, décadas atrás, aos cinemas assitir filmes silenciosos - ou mudos, de acordo com a tradição francesa - Dahl expressou seus sentimentos de como aquele tipo de programa conservava uma "pureza essencial" do cinema que, depois de ganhar a banda sonora, aproximou-se por demais da vida real, como se tivesse perdido um pouco de sua força e sedução. Por sua vez, Calil derrubou o mito de que São Paulo é a cidade que tudo oferece em termos de entretenimento e cultura. Fosse assim, não estaríamos presenciando a realização da primeira Jornada de Cinema Silencioso. E, com certeza, ainda há muito para ser feito em termos de programação cultural - cinematográfica, em particular - na capital paulista (e não só aqui, vale dizer!)
Digno de elogios é o livreto feito para a Jornada. Para além da divulgação dos filmes programados e suas sinopses, o material traz artigos críticos de gente como Ben Singer falando sobre cinema e modernidade; Luciana Corrêa de Araújo, abordando o cinema pernambucano dos anos 20; diversos textos e comentários sobre O Gabinete do Dr. Caligari, de F. W. Murnau; entre outras boas resenhas. A edição do livro foi baseada nas antigas revistas de cinema da época - como "A Scena Muda" - que, não tendo ainda uma preocupação grande com a continuidade do texto página por página, às vezes, jogavam lá para as últimas páginas o que havia começado na página 10, por exemplo.
A sessão de Salomé foi precedida de filmes publicitários estrelados pela ainda vendedora de uma loja de departamentos, chamada Greta Garbo. Feitos em 1920-21, mostram uma mulher ainda não totalmente em forma, digamos, um pouco acima do peso. Porém, já no último trecho, quando ela vai embora da Suécia para Hollywood, é visível a transformação e como, a partir dali, todo o mistério e a sedução daquela mulher de voz rouca e com um toque levemente masculino - como ressaltou Gustavo Dahl naquele seu discurso de abertura - iria facilmente hipnotizar gerações de homens, e também de mulheres!
Quanto a Salomé, depois de terminada a sessão, torna-se compreensível por que a peça de Oscar Wilde, na qual o filme é baseado, causou tanta controvérsia à época, sendo inclusive proibida em alguns estados americanos. Pontuada por questões sobre homossexualidade e incesto, a película conta a história da jovem Salomé (interpretada pela bela Alla Nazimova), uma ninfa de 14 anos, enteada de Herodes (Mitchell Lewis), rei da Judéia, cobiçada por todos os homens e que acaba se apaixonando por Iocanaan (Nigel De Brulier), o profeta. Rejeitada, ela decide vingar-se de Iocanaan. Para isso, sujeita-se a uma dança sensual para seu pai em troca de uma promessa dele: ela poderia pedir qualquer coisa a ele. Pede a cabeça do profeta numa bandeja de prata! Sadismo é pouco para essa menina mimada e geniosa. Mesmo morto, ela continua o amando. Como ela mesma afirma: "O mistério do amor é maior do que o mistério da morte."
Amor, traição, vingança, danação. Todos esses temas estão ali colocados. Tudo com um toque, diria, levemente expressionista. Os fortes contrastes, atuações exageradas, cenários exuberantes, maquiagens pesadas são elementos formais do filme que reforçam as tensões e tornam Salomé um grande filme. A trilha criada por Lívio Tragtenberg para a sessão ainda amplificou o desepero e a angústia, misturando ruídos, sons que emulavam gritos e um saxofone lento e pesado. A pianista luso-germânica Eunice Martins e a percussionista americana Robyn Schulkowsky completaram o trio de instrumentistas da projeção.
No fim, aplausos em abundância e os tradicionais cumprimentos e as conversas de roda espelhadas pela sala novinha em folha. Lá fora, tinha início o coquetel, regado a vinho, cerveja, uísque e muitos petiscos e salgadinhos. A noite ainda ia longe...
Para conferir a programação da Cinemateca:
http://www.cinemateca.gov.br/programacao.php?id=26
sábado, 11 de agosto de 2007
segunda-feira, 6 de agosto de 2007
Comédia do Poder, A - O sorriso de Golias!
O título original do filme A Comédia do Poder, de Claude Chabrol, é L'ivresse du pouvoir. O termo francês ivresse significa, na verdade, "embriaguez". Ao pé-da-letra teríamos, portanto, "A Embriaguez do Poder". Os responsáveis pela tradução foram, pelo menos dessa vez, felizes ao substituir "embriaguez" por "comédia", mas prestar atenção na versão original pode nos ajudar a entender a proposta do cineasta francês. De fato, o que está em discussão aqui é a capacidade que o poder tem de fazer o ser humano perder certos "pudores". Olhar a cidade e as pessoas de cima, bem de cima, quase como um Deus sentado nas nuvens, realmente mexe com os sentidos. Todos (?) sabemos, no entanto, que quanto maior o porre, maior a ressaca e maior a dor de cabeça no dia seguinte! Para curar uma ressaca de álcool, um comprimido de Engov, muitas vezes, é suficiente. Já no caso da ressaca do poder, o remédio é confiar no "sistema".
Links com críticas e informações sobre o filme:
http://www.revistacinetica.com.br/comediadopoder.htm
http://www.contracampo.com.br/82/festcomediadopoder.htm
http://zetafilmes.com.br/criticas/acomediadopoder.asp?pag=acomediadopoder
http://www.oi.com.br/data/Pages/DF637F29ITEMIDF01AF0DBE63D44C8A9C561F90B136D9EPTBRIE.htm
http://www.cinefrance.com.br/blog/post.php?post=39
http://www.revistapaisa.com.br/anteriores/ed9/retrochabrol.shtm
Nesse ponto, acredito estar uma das maiores qualidades do filme de Chabrol. O que acontece é que normalmente, em certas críticas superficiais de uma dita "esquerda" à sociedade capitalista, acusa-se o "sistema" como o culpado de todos os males do mundo, sem se especificar ou definir que raios quer dizer esse tal "sistema". A impressão que fica é que parece haver uma entidade viva sobrenatural e que é senhora do destino humano, senhora, aliás, muito cruel. Em A Comédia do Poder, essa senhora - ou seria melhor falar "senhor"- tem rosto, nome, identidade, computador, bebe champanha selecionada e fuma charutos lindos e enormes. Conhecendo o "inimigo", as chances de derrotá-lo aumentam exponencialmente. Ou, pelo menos, a derrota não é tão devastadora e humilhante. (Aqui, vale lembrar o caso da guerra contra o terrorismo do governo Bush. Afinal de contas, quem é o adversário a ser derrubado? Os muçulmanos? Os homens barbudos e de turbante? O sentimento de medo?)
Não é minha intenção acabar com a graça de quem ainda não assitiu ao filme e está perdendo o seu tempo lendo essas linhas, mas a seqüência final diz muito sobre o que pensa Chabrol de todo esse complicado problema. Quando somente uma pessoa, por mais esforçada e competente que seja, decide empreender uma batalha contra os desvios de comportamento de uma determinda sociedade ou um determinado grupo social, suas possibilidades de êxito são nulas. Pode-se mudar uma coisa ou outra, mas não passam de correções cosméticas, circunstanciais. A estrutura permanece a mesma. Só muda a aparência e os modos de agir. A "renovação" é epidérmica. Sem mais forças para lutar, o que resta é sair de cena e recolher-se às sombras. E o mais preocupante é que o "bastão" é passado para a geração seguinte que, ao que tudo indica, continuará atuando de forma isolada e, portanto, ineficaz. Estaria implícito nesse movimento uma crítica ao processo de individualismo crescente dos nossos tempos?
E é justamente pensando nessa questão que a pergunta feita pela própria Jeanne ( a juíza destemida interpretada brilhantemente por Isabelle Huppert) ao marido Philippe ( Robin Renucci) no meio da madugada, em meio a uma ápera discussão, ganha uma grande importância. Ela o indaga: "por quem eu gaço tudo isso?" O marido silencia. Ela insiste: "por quem? Novo silêncio. Cria-se, dessa forma, uma profunda ambigüidade, no que se refere às reais motivações de Jeanne. Seria ela uma genuína batalhadora por práticas mais honestas no meio empresarial e político ou estaria preocupada apenas com o próprio crescimento profissional e com a sua vaidade de mulher-prodígio? A resposta para essa pergunta, creio eu, tem relação direta com o desfecho do filme.
Links com críticas e informações sobre o filme:
http://www.revistacinetica.com.br/comediadopoder.htm
http://www.contracampo.com.br/82/festcomediadopoder.htm
http://zetafilmes.com.br/criticas/acomediadopoder.asp?pag=acomediadopoder
http://www.oi.com.br/data/Pages/DF637F29ITEMIDF01AF0DBE63D44C8A9C561F90B136D9EPTBRIE.htm
http://www.cinefrance.com.br/blog/post.php?post=39
http://www.revistapaisa.com.br/anteriores/ed9/retrochabrol.shtm
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